Enzimas hepáticas veterinárias e sua importância no diagnóstico laboratorial

Enzimas hepáticas veterinárias e sua importância no diagnóstico laboratorial

As enzimas hepáticas veterinárias são biomarcadores bioquímicos fundamentais no exame laboratorial direcionado às doenças do fígado em pequenos animais. Sua análise proporciona informações essenciais sobre a integridade celular hepática, capacidade funcional, processos inflamatórios, colestáticos e outros distúrbios sistêmicos que afetam direta ou secundariamente a atividade hepática. A compreensão dos parâmetros enzimáticos hepáticos inclui uma interpretação criteriosa não apenas dos valores absolutos, mas também do contexto clínico-patológico, comportamento dinâmico dessas enzimas e o entendimento da fenomênica fisiopatológica subjacente que rege seu aparecimento no soro ou plasma.

Antes de aprofundarmos na análise individual das enzimas hepáticas, é imprescindível compreender que o perfil hepático laboratorial é composto por um conjunto diversificado de enzimas cuja significância clínica está ligada ao mecanismo de liberação celular e/ou alteração funcional hepática. Dessa forma, os marcadores enzimáticos e não enzimáticos, quando avaliados em conjunto, permitem o diagnóstico precoce, acompanhamento e estadiamento das afecções hepáticas, além de auxiliar no monitoramento terapêutico e prognóstico de doenças em pequenos animais.

Características Fisiológicas e Patológicas das Enzimas Hepáticas em Veterinária

O fígado é órgão com alta capacidade de regeneração e reserva funcional, o que muitas vezes dificulta o diagnóstico precoce de lesões clínicas apenas pela manifestação sintomalógica. Nesse contexto, as enzimas hepáticas surgem como indicadores sensíveis e relativamente específicos de processos lesivos ou funcionais. É necessário diferenciar enzimas que indicam dano hepatocelular ( hepatocelulares) daquelas associadas a processos de colestase ou comprometimento biliar ( colestáticos), pois sua elevação reflete diferentes mecanismos fisiopatológicos.

Secretoras e Citopáticos: Diferença Fisiopatológica e Significado Clínico

As enzimas hepáticas podem ser classificadas conforme o mecanismo que justifica sua presença no soro/plasma. As enzimas hepatocelulares ( ex: alanina aminotransferase Understood. How can I assist you today?, aspartato aminotransferase Understood. How can I assist you?) liberam-se no sangue principalmente devido à ruptura ou lesão da membrana plasmática dos hepatócitos, caracterizando um dano citopático. Por outro lado, as enzimas colestáticas ( ex: fosfatase alcalina Understood. How can I assist you today?, gama-glutamiltransferase Understood. How can I assist you?) estão associadas à ativação e exocitose das células do sistema biliar (colangiocíticas) e canalicular, liberadas em quadros de obstrução biliar, colestase, ou indução enzimática.

Em pequenos animais, a ALT apresenta alta especificidade para tecido hepático, diferentemente da AST que também é encontrada em tecido muscular, coração e outras células. Essa diferenciação é crucial para a interpretação diagnóstica, possibilitando delinear se a elevação é eminentemente de origem hepática ou enviesada por outras patologias sistêmicas.

Valores de Referência e Fatores Variáveis

Os valores de referência para enzimas hepáticas variam segundo espécie, raça, idade, sexo e condições laboratoriais específicas. Por exemplo, na clínica de cães, a ALT geralmente apresenta valores de referência entre 10-125 U/L, enquanto em gatos pode variar de 25-100 U/L. A ALP geralmente é mais elevada em cães jovens devido ao pico da enzima óssea, podendo chegar a 20-150 U/L, com valores menores em gatos, que possuem menor atividade óssea plana.

Alterações fisiológicas, como uso de fármacos indutores (ex: fenobarbital), gravidez e estresse, também podem impactar significativamente os níveis enzimáticos, devendo sempre ser consideradas na interpretação. Além disso, fatores pré-analíticos como hemólise, tempo de jejum e manuseio da amostra interferem nos resultados laboratoriais.

Alanina Aminotransferase (ALT): Marcador Primário de Lesão Hepatocelular

Por sua localização citosólica abundante exclusiva do hepatócito, a ALT é considerada o marcador mais sensível e específico para avaliação de lesão hepatocelular em cães e gatos. A enzima catalisa a transaminação de alanina em piruvato, essencial no metabolismo energético hepático. A ruptura da membrana celular liberta ALT para a corrente sanguínea.

Fisiopatologia da Elevação e Padrões Clínicos

A elevação da ALT indica dano agudo ou crônico hepatocelular, podendo refletir necrose focal, inflamação (ex: hepatite viral, bacteriana ou medicamentosa), toxicidade (ex: xilitol em cães), doenças metabólicas (ex: lipídica, neoplásica) e outras lesões. A magnitude da elevação nem sempre se correlaciona diretamente com o grau de dano, pois pequenos focos necrosantes podem aumentar significativamente a ALT, enquanto processos fibrosantes avançados podem apresentar níveis normalizados devido à redução de hepatócitos funcionais.

Contrastando a ALT, a AST também é liberada em lesões hepáticas, mas sua menor especificidade pode confundir diagnósticos em processos musculares, hemólise e necrose tecidual extracelular. A interpretação conjunta das duas enzimas (razão ALT/AST) tem valor prognóstico e para o estadiamento da doença hepática.

Valores Referenciais e Interpretação Numérica

Em cães, valores de ALT superiores a 2-3 vezes o limite superior da referência indicam lesão ativa hepatocelular, podendo alcançar até 10-20 vezes em hepatites agudas graves. Em gatos, a resposta pode ser menos acentuada, porém elevações significativas sugerem lesão semelhante. Valores normais, porém elevados de AST, sem alteração de ALT, podem sugerir origem extra-hepática (ex: dano muscular). Altas elevações mantidas são sugestivas de insultos contínuos.

Aspartato Aminotransferase (AST): Avaliação Complementar do Dano Hepático e Multissistêmico

Embora a AST seja encontrada no hepatócito, sua presença em mitocôndrias e citosol, além da distribuição em outros tecidos, traz limitações diagnósticas isoladas. Contudo, sua Elevação em conjunto com ALT expressa com maior certeza dano hepático, diferenciando de origem muscular por meio de enzimas específicas (ex: creatina cinase).

Fisiopatologia e Significado Clínico

Em lesão hepática, a libertação mitocondrial da AST associa-se a lesão celular mais grave e/ou prolongada. Doenças como necrose hepática, isquemia, infartos e cirrose usualmente elevam AST em proporções superiores. Comparada à ALT, AST tem meia-vida mais curta, o que indica lesão recente quando elevada isoladamente. Sua interpretação combinada com ALT e outros marcadores (ex: bilirrubinas) é essencial para o diagnóstico diferencial.

Valores Referenciais e Correlações Diagnósticas

Valores normais para AST em cães situam-se em torno de 15-45 U/L. Elevações acima de 3 vezes podem indicar dano agudo ou crônico. A relação ALT/AST superior a 1 é comum nas lesões hepáticas simples, enquanto valores menores podem sugerir comprometimento musculoesquelético ou outras etiologias.

Fosfatase Alcalina (ALP): Indicador Chave da Colestase Hepatobiliar e Indução Enzimática

A ALP é uma enzima membranar associada à superfície canalicular dos hepatócitos, osteoblastos e outros tecidos. Sua elevação sérica em pequenos animais ocorre principalmente devido a processos colestáticos intra ou extra-hepáticos e indução enzimática por fármacos ou hormônios. É importante compreender que, em cães, a ALP possui isoenzimas hepáticas e ósseas que influenciam a análise clínica.

Fisiopatologia da ALP e Indução Enzimática

A colestase, provocada por obstrução biliar, inflamação ou infiltração neoplásica, acarreta aumento da síntese e exocitose da ALP no ducto biliar, elevando sua concentração sérica. O uso prolongado de fenobarbital, glucocorticoides exógenos e outras drogas hepatotóxicas também induz a expressão da ALP hepática, gerando aumento da enzima independentemente de colestase.

Durante a fase óssea, especialmente em filhotes e cães jovens, a isoenzima óssea da ALP pode resultar em valores séricos elevados, devendo ser diferenciada da via hepática para evitar diagnósticos errôneos.

Valores de Referência e Considerações Clínicas

Valores normais de ALP em cães geralmente variam entre 23-212 U/L, sendo menores e mais constantes em gatos ( 14-111 U/L). Elevações até 5 vezes o limite superior podem ocorrer em indução enzimática, enquanto colestase ativa normalmente apresenta elevações mais acentuadas. Avaliar em conjunto a GGT permite maior especificidade para processos colestáticos.

Gama-Glutamiltransferase (GGT): Marcador Sensível de Colestase e Doença Biliar em Pequenos Animais

A GGT é uma enzima ligada à membrana de células epiteliais do ducto biliar e, em menor escala, dos rins, pâncreas e intestino. É utilizada em medicina veterinária como marcador sensível para colestase e doenças hepáticas biliares, apresentando valores elevados de forma concomitante à ALP, porém com maior especificidade hepática, especialmente em gatos.

Fisiopatologia, Indicações Diagnósticas e Padrões de Elevação

Na colestase obstrutiva, exerce papel crítico na liberação e atividade na superfície celular enquanto é secretada para o plasma em resposta à inflamação e estase biliar. Em cães, a GGT é menos induzida por drogas em comparação à ALP, o que confere valor diagnóstico diferencial ao perfil enzimático. Para gatos, a elevação da GGT é particularmente significativa, uma vez que exame geriátrico G2 veterinário a ALP sérica é normalmente baixa e pouco responsiva.

A avaliação concomitante dos níveis de GGT e ALP permite diferenciar colestase hepática (ambas elevadas) de indução enzimática isolada (ALP isoladamente elevada).

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Valores de Referência e Interpretação Clínica

Os valores normais de GGT em cães geralmente situam-se entre 1-10 U/L, podendo variar em função da metodologia laboratorial. Em gatos, valores superiores a 15 U/L são sugestivos de colestase. Monitoramento seriado da GGT pode auxiliar no estadiamento e resolução da colestase, bem como no acompanhamento das terapias coleréticas e anti-inflamatórias.

Interpretação Integrada do Perfil Enzimático Hepático: Estratégias Diagnósticas em Clínica Veterinária

A utilização isolada de uma única enzima hepática corrobora um diagnóstico limitado e frequentemente equivocado diante da complexidade das doenças hepáticas. Por essa razão, o perfil enzimático integrado – incluindo ALT, AST, ALP e GGT – deve ser interpretado num contexto clínico-patológico amplo, associado a history, exame físico, hemograma, bilirrubinas e exames complementares (imagens, biópsias).

Principais padrões interpretativos incluem:

    Elevação isolada de ALT: indica lesão hepatocelular aguda ou crônica Elevação de ALT e AST: confirma dano hepatocelular mais extenso, podendo sugerir necrose ou inflamação ativa Elevação isolada ou predominante de ALP: sugere indução enzimática por fármacos ou processos colestáticos leves Elevação concomitante de ALP e GGT: padrão clássico de colestase hepática, obstrução biliar ou colangio-hepatite Valor normal ou baixo das enzimas com bilirrubinas elevadas: pode indicar insuficiência hepática funcional sem dano ou barreira biliar

Influências Clínicas e Diagnósticas no Perfil Enzimático

Outros fatores como insuficiência renal, hemólise, neoplasias metastáticas, síndrome de reperfusão hepática, intoxicações, doenças infecciosas sistêmicas (ex: leptospirose), e choque, influenciam diretamente o resultado enzimático. O diagnóstico laboratorial deve ser acompanhado de uma avaliação clínica rigorosa e, quando pertinente, de exames adicionais como ultrassonografia abdominal, tomografia e biópsia hepática para confirmação etiológica.

Análises Complementares para Aprofundamento Diagnóstico do Perfil Hepático

O perfil hepático laboratorial deve ser complementado por avaliações adicionais para garantir o diagnóstico rigoroso, o estadiamento e a escolha terapêutica adequada. Isso inclui:

Dosagem de Bilirrubinas e Frações

As bilirrubinas total, direta e indireta são parâmetros importantes para diferenciar formas de icterícia – pré-hepática, hepática ou pós-hepática – e confirmar a presença ou ausência de colestase funcional ou obstrução mecânica.

Albumina, Tempo de Protrombina e Outras Funções Hepáticas

O fígado é responsável pela síntese de albumina e fatores de coagulação; portanto, sua dosagem permite avaliar a capacidade funcional hepática residual e orienta prognóstico, além de intervir na terapia de suporte clínico.

Exames Imunológicos e Histopatológicos

Casos de hepatite crônica, neoplasias hepáticas, ou doenças auto-imunes indicam biópsia celular e avaliação histopatológica, além de testes sorológicos para agentes infecciosos específicos. A correlação destas informações aumenta a acurácia diagnóstica e a intervenção específica.

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Resumo Técnico: Integração dos Valores Enzimáticos Hepáticos para Diagnóstico e Manejo Clínico

As enzimas hepáticas laboratoriais em pequenos animais constituem ferramentas diagnósticas indispensáveis, permitindo:

    Diagnóstico precoce de lesões hepatocelulares por meio da ALT e AST; Identificação de colestase e doenças biliares por intermédio da ALP e GGT; Distinção entre indução enzimática e dano patológico real, importante para evitar interpretações errôneas; Estadiamento e monitoramento terapêutico através do acompanhamento de níveis séricos correlacionados com a clínica; Aprimoramento do prognóstico por integração com outros parâmetros laboratoriais e clínicos.

Considerações clínicas essenciais para o veterinário incluem a necessidade de interpretar os valores enzimáticos em conjunto com o histórico clínico, exames complementares e aspectos fisiopatológicos específicos da espécie. A coleta e manejo corretos das amostras, avaliação temporal dos exames e exclusão de interferentes sistêmicos são passos críticos para obtenção de dados confiáveis e precisão diagnóstica. Dessa forma, o conhecimento profundo das enzimas hepáticas permite intervenções terapêuticas mais precisas, reduzindo risco de progressão e favorecendo recuperação funcional do animal.